segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Uma mensagem de Helen Keller




TRÊS DIAS PARA VER


Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som. De vez em quando, testo meus amigos que enxergam para descobrir o que eles vêem. Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo passeio pelo bosque o que ela observara. “Nada de especial”, foi a resposta. Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tato encontro centenas de objetos que me interessam. Se consigo ter tanto prazer com um simples toque, quanta beleza poderia ser revelada pela visão! E imaginei o que mais gostaria de ver se pudesse enxergar, digamos, por apenas três dias.
No primeiro dia, gostaria de ver as pessoas cuja bondade e companhias fizeram minha vida valer a pena. Eu reuniria todos os meus amigos queridos e olharia seus rostos por muito tempo, imprimindo em minha mente as provas exteriores da beleza que existe dentro deles. Também fixaria os olhos no rosto de um bebê, para poder ter a visão da beleza ansiosa e inocente que precede a consciência individual dos conflitos que a vida apresenta. E gostaria de olhar nos olhos fiéis e confiantes de meus cães. À tarde, daria um longo passeio pela floresta, intoxicando meus olhos com belezas da natureza. E rezaria pela glória de um pôr-do-sol colorido. Creio que nessa noite não conseguiria dormir.
No dia seguinte, eu me levantaria ao amanhecer para assistir ao empolgante milagre da noite se transformando em dia. Contemplaria assombrada o magnífico panorama de luz com que o Sol desperta a Terra adormecida.
Como gostaria de ver o desfile do progresso do homem, visitaria os museus. Assim, nesse meu segundo dia, tentaria sondar a alma do homem por meio de sua arte. À noite de meu segundo dia seria passada no teatro ou no cinema. Não posso desfrutar da beleza do movimento rítmico senão numa esfera restrita ao toque de minhas mãos. Só posso imaginar vagamente a graça de uma bailarina. Imagino que o movimento cadenciado seja um dos espetáculos mais agradáveis do mundo.
Na manhã seguinte, mais uma vez receberia a aurora. Hoje, o terceiro dia, passarei no mundo do trabalho, nos ambientes dos homens que tratam do negócio da vida. A cidade é o meu destino. Acho que na noite desse último dia vou voltar depressa a um teatro e ver uma peça cômica, para poder apreciar as implicações da comédia no espírito humano.
À meia-noite, uma escuridão permanente outra vez se cerraria sobre mim.
Talvez este resumo não se adapte ao programa que você faria se soubesse que estava prestes a perder a visão. Mas sei que, se encarasse esse destino, usaria seus olhos como nunca usara antes. Tudo quanto visse lhe pareceria novo. Seus olhos tocariam e abraçariam cada objeto que surgisse em seu campo visual. Então, finalmente, você veria de verdade e um novo mundo de beleza se abriria para você.


(Trechos retirados do site www.cerebromente.org.br/n16/curiosidades/helen.htm. O texto foi publicado na íntegra do Reader’s Digest – Seleções há 70 anos e também está no site)

* De nacionalidade norte-americana, Helen ficou cega e surda quando criança. Tornou-se uma das mais notáveis personalidades do nosso século: célebre escritora, filósofa e conferencista, desenvolvendo extenso trabalho em favor das pessoas com deficiência. Anne Sullivan foi sua professora, companheira e protetora.

Descrição das fotos:
1- Helen Keller, de meia idade (entre 40 e 50 nos), uma distinta senhora, de chapéu, passa a mão no rosto de uma outra jovem senhora para poder enxergá-la.
2- Um retrato de Helen Keller, ainda jovem, de perfil.