segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Provocações na íntegra

Deixo aqui, a quem possa interessar, a íntegra do texto do programa Provocações do qual participei, com as respostas "editadas" (pra não cansar...).
Na verdade, as resposta são uma reedição, pois não me lembro exatamente o que respondi. Mas como fui absolutamente sincera, não devem estar muito diferentes do que eu disse no programa.



“Provocações!”... Outra vez.

No rodapé dos e-mails da nossa convidada, há uma frase de Nietzsche: “Aqueles que foram vistos dançando foram julgados loucos pelos que não podiam escutar a música”. Isto é, pelos surdos. Ou, como se diz, pelas pessoas com deficiência auditiva (cuidado com as denominações populares nesse campo!)... Nossa convidada não é uma pessoa com deficiência auditiva. É uma pessoa portadora de nanismo, com má formação óssea congênita (é assim que se fala!). Mesmo assim, ela tem uma folha corrida invejável nas artes, no teatro e no jornalismo cultural de Campinas, onde mora. E ainda é vice-presidente de uma ONG que briga pelos direitos das pessoas como ela. Ela é Katia Fonseca!



Abujamra – Katia Fonseca! Jornalista com nanismo, vice-presidente de ONG com nanismo. Pessoa com nanismo ou anã. Como você prefere ser chamada. E por quê?
Eu – Depende de quem chama e para o quê chama... Se estivermos entre amigos, pode ser qualquer coisa. Se for uma situação mais formal, ou uma situação pública, ou nos meios de comunicação, tem de ser "pessoa com nanismo". Anã carrega um estigma de palhaça, que vem dos anões de circo. Quando se fala com a massa, é importante o bom uso das palavras. Na verdade, o melhor mesmo seria me defiinir como jornalista...

“Dor e Delícia”, está escrito no seu blog. Como você transita entre essas duas coisas?
Como qualquer pessoa...

Estudou piano antes de se alfabetizar. Como foi isso?
Minha mãe era professora de música e eu, antes de nascer, já escutava o som do piano. Aí, ainda bem criança, comecei a brincar com o piano. Como minha mãe era muito rígida, não queria que eu tocasse de ouvido. Então, ela contratou uma professora para me ensinar. Isso numa idade em que eu ainda não tinha ido pra escola, aos 4 ou 5 anos.

Continua tocando?
Não, só brinco no piano...

Existem pianos adaptados para as pessoas com nanismo?
Não, acho que não. Naquela época muito menos. Mas acho que seria possível. Assim como, hoje, fazem a elevação dos pedais dos carros (eu dirijo), acho que também se pode fazer a elevação dos pedais dos pianos.

Estudou teatro nove meses com... Antunes Filho!... Por que largou?
Não larguei, ele me largou... Eu era muito indisciplinada. Fiquei 9 meses trabalhando com ele na montagem de uma peça chamada Rosa de Cabriúna. Mas depois ele me mandou embora. Acho que por causa da minha indisciplina.

Anos 80. Como é que uma redatora de manuais de informática – você – encenou uma telepeça, aqui mesmo, na TV Cultura?
Eu era vizinha de um ator, o Sérgio Roperto, e ele sabia da minha paixão pelo teatro. Eu tinha acabado de sair do Antunes. Então, ele me convidou. Era um teleteatro (A Mão Parda) dirigido pelo Ademar Guerra em que eu interpretava uma mãe-de-santo. Foi maravilhoso!

Diz aqui que você atuou como atriz fora do Brasil. Onde? Como?
Apresentei uma versão pocket do meu espetáculo Lautrec em Lugano, na Suíça, em 2005, a convite do Teatro Delle Radici, onde eu havia participado de um laboratório teatral nove anos antes.

Quantas pessoas com deficiência você conhece com a infância, a educação, a vida artística e a vida profissional iguais à sua?
Poucas, muito poucas...

Pode-se dizer que, num país com 27 milhões de pessoas deficientes, você é uma das poucas que se deram bem?
Com certeza. É por isso que eu me engajei na causa de defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Temos que trazê-las para o lugar de onde elas nunca deveriam ter saído: o seio da sociedade.

Como é ser uma pessoa deficiente?
Eu não sei como é ser outra coisa. Não sei como é não ser deficiente...

Alguma vez, diante do espelho, você perguntou: “Por que eu?”.
Várias...

E o que ele te respondeu?
Porque eu podia, porque eu agüentaria...

É difícil, não é?
É, temos que matar um leão por dia.

Repórter do caderno de Cultura do Correio Popular de Campinas. Por que trocou pela editoria de Opinião?
Não foi uma opção, foi um trato com a empresa. No caderno de Cultura eu era repórter. Agora, no Opinião, sou editora. O salário é um pouco melhor.

O que faz o editor de Opinião?
Seleciona as colaborações enviadas pelos leitores (cartas e artigos).

Katia Fonseca: o que você tem a ver com ninguém menos que... Toulouse-Lautrec?
Muita coisa. Desde o fato de nós dois termos a mesma deficiência (nanismo) até a forma como ele enxergava a sociedade e sua arte. Ele foi um dos primeiros que jogou luz sobre os marginalizados da sociedade. Por meio dele, putas, mendigos e dançarinas foram parar dentro dos salões de arte...

Qual o grande equívoco que as pessoas cometem ao falar de você?
Dizer que sou boazinha, que sou maravilhosa etc. Eu sou o que sou e ninguém sabe como é antes de me conhecer. Qualquer expectativa que elas tenham antes de me conhecer, é um equívoco.

Vice-presidente da ONG Centro de Vida Independente de Campinas. Com que dinheiro? Você mantém essa ONG?
Sim, eu e o pequeno grupo que a integra.


Alguma coisa perturbadora lhe dá prazer?
Sim... me embriagar, por exemplo.

“Sou contra o apartheid literário das pessoas deficientes”. A frase é sua. Apartheid literário! Existe isso?
A frase não é minha, foi criada por um grupo de cegos que luta pelo livro acessível, em formato digital, para que possa ser ouvido.


Qual grande obra literária você corrigiria sem a menor cerimônia?
Obra literária?!?!?!?!?!?!?

É... Paulo Coelho, por exemplo.
E Paulo Coelho é obra literária?

Leituras indispensáveis segundo você. Quais são?
Lembro de uma: Cem Anos de Solidão, do García Marques.


A ordem ou o caos?
O caos, sem dúvida.

O que não fez e gostaria de ter feito?
Apresentar um telejornal.

E o que fez e gostaria de não ter feito?
Brigado muito com a minha mãe.

Costuma arrepender-se?
Sim, muito, o tempo todo.

Fez algo que jamais revelará a ninguém?
Sim.

O quê?
Não vou contar...

Katia Fonseca, uma pergunta muito simples: o que é a vida?
O que é a vida?!?!?!?! Sei lá... a vida é... ir vivendo, ir fazendo e ir vendo onde isso vai dar.

Morrer é terrível?
Não. Como dizia Maiakóvsky: "Morrer não é difícil. Difícil é a vida e seu ofício".

Como gostaria de morrer?
Ah, não sei... de susto!

Para onde pensa que vai após a morte?
Pra qualquer lugar. Acho que tudo é possível: não ir pra lugar nenhum, voltar pra cá, ir pro céu, pro inferno...

Agora, olha para aquela câmera e diga qualquer coisa que você queira. Esse é o programa que dá total liberdade pra você dizer o que quiser.
Eu vou me servir das palavras de Torquato Neto (poeta da Tropicália): "Quando eu nasci, um anjo torto veio ler a minha mão. Não era um anjo barroco, era um anjo muito louco, com asas de avião. E eis que o anjo me disse, apertando a minha mão, com um sorriso entre dentes: 'Vai, bicho, desafinar o coro dos contentes!'".

Uau!!!

Gente, estou superfeliz com o retorno de minha entrevista ao programa Provocações. Bati o recorde de comentários aqui no blog, vocês viram?


O meu obrigadíssima a todos(as), de coração.


Além dos comentários aqui no blog, também recebi muitas mensagens de incentivo e de carinho pelo meu e-mail. Aos poucos, vou colocando aqui no blog para dividir com vocês.


Por enquanto, fiquem com mais uma foto, que traduz minha felicidade e realização.

Descrição da foto: eu e Antonio Abujamra num abraço. Eu estou sentada e ele em pé, gesticulando. Nós dois estamos olhando para a câmera fotográfica.