terça-feira, 21 de abril de 2009

Essa tal de inclusão...

Mesmo depois de tantos anos na lida do dia-a-dia, enfrentando situações adversas, em geral provocadas pelo estranhamento diante de minha deficiência física - mas não só! -, ainda fico perplexa quando deparo com certas hostilidades e negação explícita de meus direitos, sobretudo os mais comuns, como ao trabalho, ao lazer, ao estudo, entre outros. E fico a pensar: e a tal da inclusão social, tão falada em prosa em verso, será que existe mesmo?
Pois não é que, neste momento, do alto de meus 52 anos de idade, tenho enfrentado constrasngimentos e situações de estresse no meu trabalho por causa da minha deficiência? E isto está acontecendo despois de 18 anos trabalhando no mesmo lugar!!!!!
Vou tentar ser suscinta.
Há cerca de um ano, desisti de ir caminhando no trajeto que vai do local em que estaciono meu carro até minha sala de trabalho. O solo, neste trecho, é irregular e, ao andar tropegamente, apoiada em minha frágil bengalinha, caí uma três vezes. Então, resolvi usar minha cadeira de rodas neste trajeto. Para tanto, preciso de ajuda para tirar a cadeira do porta-malas, montá-la e empurrar-me até a sala (não "toco" minha cadeira sozinha, pois meus braços não alcançam as rodas). Esta ajuda estava sendo prestada de maneira informal. Ou seja, quem estivesse por ali, no pátio do estacionamento, acabava ajudando. Como, às vezes, demorava para aparecer alguém, comecei a pedir ajuda ao entrar pelo portão, pedindo que alguém fosse me esperar no local onde iria parar o carro. Eu sempre escolhia entre duas opções: acionar um dos vigilantes da empresa ou um dos motoristas.
Foi aí que a chefia do departamento do transporte resolveu "fechar o tempo", alegando que não seria obrigação deles prestar-me ajuda... Pra mim, diretamente, nunca foi dito nada. Eu apenas escutava o "zum-zum-zum", ora de um porteiro (a quem eu pedia para ligar no ramal do transporte avisando que eu havia chegado), ora de um patrulheiro, ora dos próprios motoristas.
Um dia, resolvi acabar com esse mal-estar e foi então que deparei com uma série de situações que, sinceramente, acreditei que nunca mais iria enfrentar (sobretudo em época da já famosa inclusão social): bati boca com o encarregado do transporte e ouvi queixas dos vigilantes, um empurrando pro outro o "favor" de me ajudar.
Rodei a baiana, assumindo a minha porção "militante do movimento em defesa da pessoa com deficiência" e mandei e-mail para todos que considerei co-responsáveis pelo meu direito ao trabalho com dignidade, a saber: departamento jurídico, departamento pessoal (RH), equipe da Segurança do Trabalho e, claro, minha chefia direta e os próprios envolvidos departamentos de transporte e de vigilância da empresa. Defrontei-me com o silêncio total (ignorando-me premptoriamente) de todos a quantos mandei a tal mensagem de indignação e cobrança de providência. Deste "todos", salvaram-se dois: meu colega de editoria (que não gosta que eu me refira a ele como "chefe", mas é este o seu papel...) e meu diretor de redação (este, sim, o "chefe"). O primeiro conversou longamente comigo e, apesar de não concordarmos em tudo, ele me ouviu e me deu alento na solidão de minha indignação; o segundo me garantiu que acharia uma solução para o "problema".
A situação foi, em parte, resolvida. Ainda não estou plenamente satisfeita com a solução encontrada (uma secretária vai intermediar meu pedido de ajuda, antes de eu chegar na empresa, e verá quem poderá, naquele dia, fazer o "favor" de me ajudar).
Mas, em toda essa história, tem um detalhe importantíssimo que serve de reflexão a todos os envolvidos com a tal inclusão social: o encarregado do transporte, que começou toda essa "arenga", é pai de um garoto com deficiência. Nestes 8 anos de empresa, tive alguns momentos de conversa com esse funcionário (que é tão ou mais antigo que eu por lá...), ainda no tempo em que ele era motorista (antes de ser o encarregado). Como eu não ficava fazendo muitas perguntas (pois percebia um certo constrangimento dele em falar sobre o assunto), não sei detalhes sobre a deficiência do filho, não sei se é só física ou se também tem algum comprometimento intelectual. Sei apenas que o garoto usa cadeira de rodas, precisa de ajuda para se alimentar e frequenta (ou frequentava, ou deveria frequentar, não me lembro bem do relato) uma escola especial.
Narro todos esses fatos, em primeiro lugar, para desabafar; em segundo, como já disse, para deixar uma reflexão na busca de ações para alcançarmos, efetivamente, uma sociedade mais justa, adquirindo "olhos para ver" aspectos sutis da alma humana. E, finalmente, para dizer que, apesar da frustração e de todo incômodo que esta situação me causou (e ainda me causa), não vou desistir.
Àqueles que se incomodam com a minha existência, deixo um poeminha de Mário Quintana que me consola nos momentos de revolta e decepção. Ei-lo:


Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu, passarinho!
(Mario Quintana)