Sempre me pega de surpresa atitudes intempestivas, explosões de raiva ou ações vingativas. Quando sou atingida por uma situação dessas, me sinto igualada aos animais irracionais, que não podem entender a complexidade do cérebro humano (ou, como queiram os mais românticos, a complexidade das emoções, do “coração”).
Sinto-me um perfeito cachorrinho assustado, com o rabo entre as pernas e fazendo xixi de tanto medo... Não adianta, não consigo me habituar aos destemperos, às manifestações extremadas de ódio.
Ao sentir pena de um cão sarnento abandonado (mas não precisa ser sarnento não, às vezes é até muito bem tratado, mas absolutamente solitário, privado de matilha original e da “matilha humana”), sinto, na verdade, pena de mim mesma, privada do amor-primeiro, fiel, incondicional e perene. Estarei com nostalgia do Paraíso?
O cachorro que abana o rabo à chegada do seu dono e recebe um pontapé como resposta é igual a mim quando, no encontro amigo, sinto e pressinto hostilidade.
Não estou querendo entender ou julgar os outros, mas a mim mesma. E a pergunta que não quer calar é: onde, em mim, cala fundo o abandono de animais? Por que não reajo, não vocifero e não dou o troco? Ou, como um cão raivoso, ataco, mordo e dilacero até que a carne se torne viva e sangrenta?
Acho que é porque eu e o cão sarnento somos feitos de outra espécie. Abnegados? Acho que não. Pura bondade? Também não, pois cometo minhas maldedezinhas de vez em quando. Continuarei buscando a resposta. Enquanto isso, me irmano aos animais e continuo a perguntar: quanto de animal há em minha alma?
Descrição da foto
No plano de fundo (atrás) está destroços de uma casa. À frante, se vê uma criança bem pequena (3 ou 4 anos), um cachorrinho ainda filhote e um velho sentado em uma cadeira. A criança corre atrás do cachorrinho e o velho os observa. A criança e o velho têm traços asiáticos.