quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Um ano a mais

Dia 2 de outubro é meu aniversário (amanhã). Queria escrever algo legal, pra cima, up, up. Mas não pintou inspiração (pelo menos até agora, hora em que estou tomando um drink à base de vodka, esperando meia-noite chegar pra poder brindar mais – ou seria menos? – um ano de vida).

Adoro o poema de Fernando Pessoa sobre aniversário. É down, é pra baixo, mas é de uma profunda humanidade (como tudo – ou quase tudo – do Pessoa). O poema, na verdade, não reflete meu estado de espírito. Mas é lindo! E eu não poderia privar vocês (e a mim mesma) desta obra de arte!

Acho que o Pessoa cala fundo na gente porque algum dia seremos aquilo a que fomos destinado a ser: humanos e finitos. E a proximidade da morte é inexorável.

A questão é: pensemos nisso agora ou daqui a pouco?

Com vocês (e comigo), Fernando Pessoa!







No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.



No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.



Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino,

O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

A que distância!...

(Nem o acho...)

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!



O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),

O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...



No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!



Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...



Pára, meu coração!

Não penses!

Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

(Fernando Pessoa, Aniversário)

Descrição da foto: Fernando Pessoa em close - Foto em preto e branco de um jovem-senhor, de chapéu, cabisbaixo, óculos e bigode; ar circunspecto.

2 comentários:

Marta disse...

Kátia, oi

Parabéns!! por tudo: por mais um ano de vida, por ser quem é, por ter e estar con ganas de vivir!!

Que a Alegria e a Beleza sejam suas companheiras neste seu ano, que começa hoje!

Um beijo,
Marta Gil

Fábio Adiron disse...

Kátia

No anao passado eu dei uma traída no Fernando Pessoa :

http://insanadiron.blogspot.com/2007/09/o-dia-dos-meus-anos.html

Meus parabéns que os anos sejam muitos e felizes

Beijo

Fábio