quarta-feira, 11 de abril de 2012

A arte de ser diferente - Meu encontro com o teatro por meio da deficiência

Descrição da imagem: cena da peça 'Lautrec' na qual estou com os braços abertos, levantados, olhando para o alto e sorrindo. Estou vestida com um colete prateado sobre um macacão preto, de mangas compridas.



“Os tipos médios, normais, passam despercebidos. Atravessam a multidão sem que nada aconteça a sua volta. Para viver, eles não precisam lutar, basta se inserir. Mas eu não, para garantir a minha singularidade, preciso estar sempre alerta, pronto para a luta.”

A frase acima - da peça Lautrec* - resume a essência do teatro que faço: a luta para manter a minha singularidade.

Defendo que nós, pessoas diferentes do padrão estético vigente, se decidirmos nos expor, que isso seja feito da maneira mais consciente possível, para que nossa imagem não seja manipulada pelo olhar do outro. Esta ideia me salvou! E conduz minha vida até hoje. Foi esta concepção que me levou a fazer teatro e a me apropriar de minha imagem.

As pessoas sem nenhuma deficiência aparente, podem optar por se manter ocultas, “passar despercebidas”. Podem, por outro lado, decidir se expor através da arte (teatro, dança, música etc.), ou através de um comportamento excêntrico etc. Todas as pessoas ditas “normais” têm essa opção. Mas no caso daqueles que carregam em si uma diferença, a exposição é compulsória, pois não passam desapercebidas – não lhes é dada essa opção. Caso queira passar desapercebida, a pessoa com deficiência precisará optar por um ocultamento radical, como, por exemplo, não sair nunca de casa.

Ao se expor, as pessoas diferenciadas do padrão, carregam em si uma série de preconceitos, frutos de mitos e estereótipos: “baixinhos são invocados”, “os cadeirantes são exemplo de superação”, “negro é pobre”, “o menino com Síndrome de Down é tarado”, “índio é preguiçoso”, “a menina autista é carinhosa”.

Ao mesmo tempo, tais pessoas tocam e transformam quem a vê – para o bem ou para o mal. Tenho dois bons exemplos, de fatos ocorridos comigo, que podem provar esse caráter de “personagem” da pessoa com deficiência.
1- Entrei num restaurante e, depois de me sentar à mesa, percebo um olhar fixo sobre mim de uma mulher grávida sentada na mesa ao lado. De repente, ele explode num choro convulsivo e é consolada pelos amigos e pelo marido que estão com ela. Ela vai melhorando, mas sempre que olha em minha direção, o choro aumenta.
2- Entrei num banco para negociar a compra de uma casa própria. A gerente me atende, muito simpática e começamos a fazer o negócio. Seis meses depois do negócio fechado, recebo um texto escrito pela gerente dizendo que o fato dela ter me conhecido mudou completamente a sua vida e que, agora, ela era uma pessoa muito diferente e extremamente feliz. Suas palavras foram: “Minha vida se divide entre antes de ter conhecido a Katia e depois de a ter conhecido”.

A partir do momento que essa dimensão teatral da minha pessoa tornou-se evidente para mim mesma, tive a necessidade de sistematizar, estudar, investigar e criar. Fui, então, rumo à arte teatral.

Em primeiro lugar, o teatro que faço é para mim mesma, para me transformar, para ser protagonista do meu viver. O teatro serve para que eu possa me inserir nas mais diversas situações que talvez a vida, por si só, não pudesse me possibilitar, mas que o teatro pode.

Antonin Artaud – o mestre do Teatro do Absurdo - diz: “Quando vivo, não me sinto viver. Mas quando represento, então sinto que existo (...)”. (“O Teatro de Serafim”, in Escritos de Antonin Artaud, da série “Rebeldes Malditos”, L&PM Editora, 1983).

O teatro possibilita que eu use, conscientemente, a minha fatalidade (a de ser diferente). Ela – a fatalidade – será um elemento de aproximação ou de distanciamento do espectador, conforme o que eu queira dizer ou demonstrar em determinada ação teatral.

A pergunta que faço é: onde, em mim, é exatamente igual ao espectador, apesar da diferença física? O que há em mim que atrai ou que repulsa o espectador? Até que ponto minha deformidade é só minha e até que ponto é a dele (espectador) também? As respostas a essas perguntas, entre outras, são os elementos do meu fazer teatral. Com esses elementos, eu vou criando situações, histórias e magias.

* O espetáculo Lautrec, baseado na vida e obra do pintor francês Toulouse Lautrec, foi encenado em 2005, com texto meu e direção de José Tonnezzi.

2 comentários:

Beto Volpe disse...

Tive a honra, o orgulho, o prazer, a glória de assistir Lautrec em Campinas. Foi um divisor de águas em meu entendimento de deficiências e vida. Sou muito grato a você, Katinha.
SMACK!

Anônimo disse...

Eu, o prazer de compartilhar o trabalho. Um beijo imenso, Katita. E sucesso cada vez maior na vida e na arte! Tonezzi