segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Exclusão às avessas: quem não tem deficiência não entra

Hoje, deparei com um release que diz o seguinte: " (...) estarão abertas as inscrições para os cursos gratuitos de Informática Básica, Alimente-se Bem e Telemarketing, destinados à deficientes visuais e físicos" (sic)*.

Chocada com o que acreditei ser um exemplo de exclusão inadmissível em tempos de inclusão social, fui procurar mais informações e entender do que se tratava.

Como dois desses cursos – Informática Básica e Telemarketing – estão sendo oferecidos pelo Senai de Americana (interior de SP), quem conversou comigo foi o Vinícius Martin, coordenador dos cursos técnicos daquela conceituada escola.Ele me explicou que o curso Informática Básica vai ensinar como usar as ferramentas (softwares) destinadas à leitura de tela, criadas para possibilitar o uso do computador por pessoas cegas. Portanto, o curso destina-se àqueles que necessitam usar essas ferramentas - os cegos.

Achei razoavelmente aceitável a explicação. Mas acredito que o release deveria deixar isso claro, informando algo do tipo: "Estão abertas inscrições para o curso de Informática Básica que vai habilitar o aluno ao uso de ferramentas de leitores de telas, usados por pessoas com deficiência visual". Dessa forma, inclusive, poderia surgir o interesse de alguém, que não fosse cego, de querer fazer o curso apenas para conhecer as ferramentas. Mas, tudo bem, isso foi um problema de redação e o Vinícius me explicou que a responsabilidade pelo release era da Secretaria de Promoção Social da prefeitura de Americana (atenção, pessoal da prefeitura de Americana!).

Sobre o segundo curso, Telemarketing, o que entendi pela explicação do Vinícius é que, até agora, o Senai de Americana ainda não oferecia esse curso, que passará a fazer parte da grade somente a partir desta primeira turma de pessoas com deficiência visual que aprenderá a Informática Básica. "Como já temos muitos inscritos – todos com deficiência visual – e temos uma limitação de espaço, resolvemos oferecer esse segundo curso apenas para os que já estão inscritos do primeiro curso", alegou Vinícius.

Sinceramente, continuo achando isso um pouco estranho e completamente na contramão da história de conquistas dos direitos da pessoa com deficiência, que repudia a segregação.

O estranho é que esse curso de Telemarketing está aberto, também, a pessoas com deficiência física – que, a priori, não fizeram o primeiro curso, o de Informática Básica. Pois bem, se outras pessoas, além dos cegos, podem ser inseridas nessa turma, por que não também outros sem deficiência ou com outras deficiências (surdos, autistas, pessoas com síndrome de Down etc.)?

Resumo da ópera: na era da inclusão, quando acabamos de conquistar uma de nossas maiores vitórias, que é a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da ONU – da qual o Brasil não apenas é signatário como também deu status de lei à tal Convenção – não se pode mais admitir qualquer tipo de isolamento, segregacionismo ou criação de guetos para as pessoas com deficiência.

No caso em pauta, se poderia simplesmente informar: "Senai oferece curso para aprendizado de softwares destinados a cegos". Quem quisesse fazer o curso (cegos ou não) que fizesse! E, em seguida, deveria ser aberto o curso de Telemarketing PARA TODOS. No máximo, se poderia reservar uma porcentagem das vagas de tal curso para as pessoas com deficiência visual de tenham feito o primeiro curso – de aprendizado dos softwares – que, por ventura, tivessem mais dificuldade de dar continuidade aos estudos profissionalizantes.

Portanto, caro Vinícius, fica aqui minha humilde sugestão para que o Senai de Americana entre, de fato, na nossa era da inclusão total e irrestrita (que, aliás, já chega tarde demais...).

* A saber: encontra-se dois erros nesta frase "à deficientes físicos": 1- não tem crase;2- a terminologia correta é "a pessoas com deficiência física"

Um comentário:

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Katia,
Parabéns!
Acho que numa próxima vez o Senai de Americana pensará melhor.